No estado com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, o Maranhão, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MA) recebem salários que chegam a R$ 73,6 mil por mês. O valor, que representa 57% acima do teto constitucional, só é possível graças à inclusão de diversas verbas indenizatórias, autorizadas por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O teto constitucional vigente é de R$ 41.650,92 — o salário de um ministro do STF. No entanto, no TCE-MA, esse limite tem sido superado com facilidade. O salário-base dos conselheiros varia entre R$ 37 mil e R$ 41 mil, mas o valor final da remuneração é inflado por adicionais como gratificações por função, auxílio-saúde, licença-prêmio e outras verbas que, por serem classificadas como “indenizatórias”, não entram na conta do teto. Além disso, essas parcelas são isentas de Imposto de Renda e contribuição previdenciária.
O Maranhão não é o único exemplo. Em Alagoas, Roraima e Pernambuco, os salários de conselheiros ultrapassaram os R$ 100 mil mensais. Em um caso emblemático, registrado em Alagoas, um único conselheiro recebeu R$ 180 mil em um mês, evidenciando o uso de brechas legais para inflar remunerações.
Especialistas em direito público têm se manifestado contra esse tipo de prática. O professor Conrado Hübner Mendes, da Faculdade de Direito da USP, afirma que o uso indiscriminado de verbas indenizatórias cria uma forma paralela de remuneração e dribla o teto salarial previsto na Constituição. “Isso compromete princípios fundamentais como moralidade, isonomia e eficiência”, diz.
Na mesma linha, o jurista Rafael Paiva alerta que, mesmo amparada pela legalidade, a prática mina a credibilidade do sistema. “O teto serve para garantir equilíbrio e previsibilidade. Quando ele é contornado por mecanismos legais, a confiança na administração pública se perde.”
Outro ponto crítico é a opacidade nos contracheques. Muitas vezes, os valores são lançados sob rubricas genéricas como “vantagens pessoais” ou “outras remunerações”, dificultando o controle social. Organizações como o Instituto Não Aceito Corrupção e a Associação Contas Abertas cobram mais transparência e padronização na divulgação das informações.
Em meio à polêmica, pelo menos dez estados discutem novos reajustes ou benefícios extras para conselheiros de Tribunais de Contas. Especialistas alertam que essas medidas podem aumentar ainda mais a discrepância entre os salários pagos e o limite previsto pela Constituição.
Apesar das críticas, os tribunais estaduais defendem a legalidade dos pagamentos. O TCE de São Paulo, por exemplo, afirma seguir todas as normas legais. Cortes de outros estados, como Paraná, Acre, Paraíba, Ceará e Mato Grosso, também se posicionaram publicamente, reforçando o compromisso com a legalidade e a transparência.
O debate sobre os supersalários nos Tribunais de Contas revela um impasse entre o que é legal e o que é moralmente aceitável. Amparadas por interpretações jurídicas, essas remunerações acima do teto salarial expõem falhas estruturais no sistema de controle público e reforçam a necessidade urgente de uma reforma nas regras de remuneração do serviço público brasileiro.