Bolsa Família reduz probabilidade de casamento infantil, mas não em famílias extremamente pobres, diz estudo

 

 

Um dos efeitos do programa Bolsa Família é diminuir a probabilidade de que meninas de famílias pobres casem-se ainda antes dos 18 anos, de acordo com uma pesquisa publicada em abril pela Revista Brasileira de Economia, da Fundação Getulio Vargas.

De acordo com a Organização das Nações Unidas, casamento infantil é uma união formal ou informal em que pelo menos uma das partes tenha até 18 anos. Portanto, o estudo verificou qual é o efeito do Bolsa Família em casamentos infantis.

A intensidade desse efeito varia de acordo com algumas características sociais das meninas.

O efeito mais intenso do programa é mulheres entre 16 e 18 anos que são de famílias pobres, mas não extremamente pobres.

O Bolsa Família não muda tanto os dados de meninas de famílias extremamente pobres e mais jovens na condição de pobreza, aponta a pesquisa (veja abaixo a intensidade do efeito do programa em diferentes grupos sociais).

Cerca de 3 mil famílias foram analisadas e combinadas com base em seu perfil para a pesquisa.

Os resultados mais significativos do estudo foram os seguintes:

Famílias pobres: possibilidade de uma filha entre 16 a 18 ser casada é 10,19 pontos percentuais menor se os pais recebem Bolsa Família.

Famílias extremamente pobre: o estudo evidencia que meninas de 16 a 18 anos desta faixa de renda não mudam seu comportamento quando recebem o benefício.

Famílias pobres: possibilidade de uma filha entre 12 e 18 anos ser casada é 3,52 pontos percentuais menor se os pais recebem Bolsa Família.

Famílias extremamente pobres: possibilidade de uma filha entre 12 e 18 anos ser casada é 2,84 pontos percentuais se os pais recebem Bolsa Família.

Muitas vezes, a decisão de se casar muito jovem é relacionada ao nível de renda da família, explicam os autores do estudo, Andressa Mielke Vasconcelos e Marcelo de C. Griebeler, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Se uma filha de uma família pobre se casa, os pais têm uma boca a menos para alimentar, afirma o economista Griebeler.

Nas famílias extremamente pobres há mais casamento de filhas porque o valor do benefício, ainda que seja representativo para as famílias, não é suficiente para tirá-las da miséria extrema (o estudo foi feito com dados de 2019, quando o valor médio do Bolsa Família era de cerca de R$ 200).

Mas para meninas de famílias menos pobres, o dinheiro do programa permite a liberdade para as filhas decidirem se querem sair de casa muito jovens ou se preferem permanecer mais tempo, afirmam os economistas.

Ou seja: existe um patamar de renda acima do qual a família tem dinheiro suficiente, e uma boca a mais não representa um gasto tão significativo, segundo o estudo.

Pela lógica do estudo, a possibilidade de não ter mais gastos com uma filha é um incentivo econômico imediato para que as famílias queiram que elas se casem, mas, se os pais tivessem mais dinheiro, provavelmente iriam prorrogar o momento de casamento.

Há também uma questão de ganhos futuros: se uma menina vai formar sua própria família, a tendência é que ela estude menos, e portanto tenha menos ganhos no futuro.

 

Esse é um problema que atinge mais os países pobres (de acordo com a organização Girls Not Brides, cerca de 40% das meninas nos países mais pobres casaram na infância ou na adolescência).

Os dois economistas usaram dois métodos para avaliar o efeito do Bolsa Família no casamento infantil: um chamado “vizinho mais próximo” e outro chamado “matching genético”.

Na prática, eles compararam famílias que recebem o Bolsa Família com famílias que não recebem, e então compararam dados de casamentos.

Os pesquisadores utilizaram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019, que permite identificar quais as famílias que informam que recebem o benefício do programa. No fim daquele ano, o programa atendia cerca de 13,2 milhões famílias.

Oficialmente, a idade mínima para casamento no Brasil é de 18 anos, mas de acordo com o Código Civil, de 2002, aos 16 é possível casar se houver consentimento dos pais ou responsáveis.

Em 2019, uma lei foi aprovada para proibir casamento de menores de 16 anos, mas até então havia algumas exceções na lei, como casamento em caso de gravidez.

O estudo também levou em conta uniões informais –ou seja, se uma menina foi formar sua própria família, mesmo que não esteja casada no papel.

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